O Fantástico Circo Pau-Brasil (04/03/2025)

O Fantástico Circo Pau-Brasil

conta com patéticos palhaços

que driblam a humilhação diária

com pura bandalha e malandragem.


Há ainda alardeadas marionetes

que idolatram o atroz titereiro

e que, acostumadas à manipulação,

agarram-se aos cordéis umbilicais.


O espetáculo é visto rotineiramente

por um pequeno e lúcido público

que não gosta daquilo que vê

e reclama do preço dos lanches,

mas patrocina e aplaude ternamente.

Restauração (28/01/2025)

Depois de tantos anos de convivência,

nosso romance tem perdido a efervescência.

Mas é possível perceber a sua potência

quando sinto a sua doída ausência.


Minhas reclamações, meu estado nervoso,

são sinais da mais pura insegurança.

Minhas reinações, meu andar ansioso,

é um volátil voltar a ser criança.


O nosso silêncio diz muito!

Diz o que não precisa ser dito.

Pois, se não há diálogo fortuito,

basta curtir o sentimento bendito.


Sinto-me hoje como seu pai,

ou seu irmão mais próximo;

talvez o seu melhor amigo –

mais do que o companheiro.


Pois, para todo o “ai”,

para a falta de dinheiro,

ou quando nada está ótimo,

você é o meu melhor abrigo.


Você, que nunca mais será uma estranha,

que está encravada nas minhas entranhas,

qual tesouro bem protegido,

no futuro e nos tempos idos.


Espero que haja calor depois do inverno,

que haja harmonia depois do inferno,

pois não há crise que para sempre dure

nem ferida que o tempo não cure.

Relatividade (17/01/2025)

Às vezes, o barato sai caro. 

Mas o caro sempre sai caro!


Nem sempre a vida nos dá condições 

de buscar aquilo que é melhor. 

Às vezes, o que nos sobra 

é fazer o que se pode.


Às vezes, pode-se muito pouco. 

Mas o seu pouco para alguém é muito!


Às vezes, pouco é muito... 

De qualquer forma, 

estamos fartos!

Bolhas (08/01/2025)

Todos criam sua própria realidade

para fugirem da triste verdade. 


Há o cadeirante que ganha velocidade

na cadeira movida à eletricidade.

Há o colecionador que atrai felicidade

com artigos de alguma raridade. 


Todos criam sua própria realidade

para fugirem da triste verdade.


Há o sonhador que usa a criatividade

para testar a sua (in)capacidade.

Há o indivíduo que muda de cidade

em busca de aceitabilidade.


Todos criam sua própria realidade

para fugirem da triste verdade.


Há o poeta que escreve com liberdade

versos que desafiam a trivialidade.

Há a internauta que mente a idade

num rompante de pura vaidade.


Todos criam sua própria realidade

para fugirem da triste verdade. 

Pathos (30/12/2024)


De nada adianta simpatia,

se não houver empatia.


O mundo vai acabar

suficiente de gente simpática.

O mundo vai acabar

carente de gente empática.


De nada adianta simpatia,

se não houver empatia.


O mundo vai acabar

repleto de gente simpática.

O mundo vai acabar

deserto de gente empática.


***


Nutro antipatia por esta gente

que carrega um sorriso falso na máscara

e uma maldade genuína na armadura.


Nutro antipatia por esta gente

que, de frente, estende a mão espalmada

para um cumprimento; 

e, por trás, estende as mãos fechadas

para um estrangulamento.

Sou muito preconceituoso! (26/11/2024)

Sou tão preconceituoso que dá na vista!

Tenho preconceito contra racista,

Tenho preconceito contra machista,

Tenho preconceito contra fascista,

Tenho preconceito contra nazista…


Não tenho preconceitos quaisquer!

Tenho preconceito contra homem

que agride e ofende uma mulher.

Tenho preconceito contra adulto

que abusa de uma criança sequer.


Meu preconceito é bem consciente!

Tenho preconceito contra quem

pelo meio ambiente não tem simpatia.

Tenho preconceito contra quem

pelos seres viventes não tem empatia.

Calçados (12/11/2024)

O calçado mais apertado é a fome;

o mais desconfortável é a doença.

O calçado mais ordinário é a corrupção;

o mais desgastado é a demência.


O calçado mais cobiçado é a alegria;

o mais desejado é a harmonia.

O calçado mais criativo é a fantasia;

o mais inventivo é a sabedoria.


São calçados com os quais trilhamos

os caminhos que a vida nos dá.

A última gota (23/10/2024)

A última gota

faz o copo transbordar.

Mas não é a última gota

que faz o copo transbordar.

São todas as anteriores,

que fizeram a sua parte

para a saturação do copo.


Tudo o que é preciso

para gerar o caos

é uma minúscula gota,

aquela última gota

que faz transbordar o copo,

que faz esvaziar a vida,

que faz apagar a chama.

Papelão (10/10/2024)

Já era amanhã.

Logo pela manhã,

no asfalto molhado,

um papelão embolado

rolava com o vento.


Tão pouco desperto,

chegando mais perto,

vi que o tal papelão

não passava de um cão –

que triste lamento!


A criatura inocente,

um bom ser vivente,

pra sociedade doente,

é só um indigente

como lixo descartado –

mas que papelão!

O plano do Diabo (02/09/2024)

No princípio dos tempos,

vislumbrando a perfeita criação,

Deus criou os campos

para a Sua direta apreciação.


Povoou-os dos mais diversos seres,

distribuindo-os pelas florestas coloridas.

E, dentre todos os Seus afazeres,

arquitetou as paisagens floridas.


Deus deu um equilíbrio a tudo

para que a Terra sobrevivesse sozinha.

Deu um papel para cada coisinha,

com muito cuidado, com muito estudo.


No sétimo dia,

Deus descansou.

Com galhardia,

Sua lida acabou.


Mas eis que o Diabo

enxergou a Sua obra:

viu o quiabo e a cobra,

e a beleza das ágeis pumas.


Elaborou, por isso, um plano vil.

Enquanto Deus de cansaço dormitava,

o Diabo usou de um atroz ardil

e com a tal perfeição acabava.


Depositou na Terra uma má criatura,

que acabaria com toda a formosura.

O ser humano o Diabo é quem fez

e avacalhou com tudo de vez.


Desde então, a humanidade a tudo destrói,

ostentando um esnobe ar de herói.

Imaginando assim estar evoluindo,

vai com a vida do planeta esvaindo.